Capítulo 2

Prove sua força e torne-se membro dos G-Fuel, aqueles que o protegem o mais rápido possível.

    Um vídeo estava em looping no notebook de Khoury, que esperava arquivos serem copiados para seu pen drive. Bocejando, ele não fazia ideia de que já havia amanhecido, mas seus olhos estavam bem abertos. 

    Weavile se espreguiçava na cama do hotel Asa de Ducklett, lambendo os beiços e abrindo seus olhos após piscadelas. Procurando por Khoury, encontra o garoto diante do notebook, com a coluna curvada e só os braços mexendo.

 — While! Weava!

    Weavile começou a reclamar, sendo seu primeiro feito do dia, e levantou-se da cama, mas Khoury o ignorou sem remorsos. Perdendo a paciência, o Pokemon prolonga suas garras, cristalizando-as com gelo, mas pensa melhor e decide arremessar um travesseiro em seu Treinador, que bate a cabeça no notebook.

 — Droga, Weavile, o que você quer? — perguntou, cuspindo uma pena branca do travesseiro e ajeitando seus óculos. Não obtendo resposta, ele volta a focar no vídeo.

    Sabendo como o menino era, o Pokemon retira suas pantufas de Buneary e caminha pelo tapete redondo até o banheiro do quarto, olhando-se no espelho. Ele percebe uma barra de sabão, ficando tentado a comê-la, mas resiste e apenas lava seu rosto, correndo até a janela do quarto.

    Um pássaro filhote de Braviary pousa perto de um vaso de flores que decorava a janela, sendo cumprimentado por Weavile, sorrindo ao observar a movimentação das ruas de Glacial City. No céu, alguns balões mantinham-se estáticos, e não haviam sinais de neve. Para Weavile, o clima estava perfeito e harmônico.

 — Weavile, feche a janela por favor — A voz de Khoury cortou o momento de Weavile, que o viu guardar o pen drive no bolso. — Não quero que entre algum Pokemon aqui e bagunce tudo!

    Cerrando seus olhos, Weavile cruza os braços, não obedecendo. Khoury levanta-se da cadeira bruscamente, assustando a ave, que deixa a janela.

 — Wea! — protestou o Pokemon, vendo Khoury fechar a janela e esfregando o rosto no vidro, tentando ver para onde o filhote voou.

    As orelhas de Weavile se atiçam. Música eletrônica, era isso? Vinha da janela? Ele não conhecia tão bem assim um hotel de luxo, tudo era possível. Curioso, parte em busca de descobrir de onde o som vinha, e a agitação de Khoury denunciou a resposta. Afinal, era seu toque de celular, e os olhos do menino quase saltavam do rosto.

 — Justamente o que eu estava esperando! Preciso que esteja tudo em ordem!  — Empolgado, ele se prepara antes de atender a ligação, até conferindo o bafo.

    Weavile não entendeu de princípio, o menino parecia fazer alguma dança esquisita com o celular saltando das mãos, mas reparou que o tapete não estava estendido, o que o incomodou profundamente. Ao se abaixar para arrumá-lo, ouviu Khoury exclamar um nome. 

 — Lyon!

 — Eu recebi os e-mails que você mandou durante a madrugada, são bons dados que coletou. — A voz de Lyon soou no telefone. — Pode vir aqui em Arctic para conversarmos?

    A conversa segue e Khoury aceita o convite de Lyon. Depois de trocar mais algumas palavras, o menino desliga e olha para Weavile, que voltava a cruzar os braços.

 — Weavile, ele quer conversar comigo!!  — exclamou segurando nos ombros de seu Pokemon e o balançando. — Eu passei a madrugada inteira recolhendo dados para investigações sobre aquele Zoroark dourado, esse pen drive vale ouro, literalmente! — E ergueu o dispositivo, mas Weavile não ligava.

    Ouvindo batidas na porta, Khoury veste uma calça social jogada na cedeira e a abre, sabendo que se tratava do serviço de quarto do hotel. 

 — Seu café da manhã, jovem! — anunciou uma mulher, com chapéu de cozinheira. — Aproveite os blintzes e nossas geleias variadas de Glacial City!

 — Danke! — agradeceu, sorrindo para a mulher, que o entregou uma bandeja com o prato e uma garrafa de suco em cima, retirando-se a seguir.

    O silêncio tomou conta do quarto. Khoury e Weavile sentaram-se em almofadas, dividindo as panquecas e passando geleia nelas. Sem terminar de comer, o menino se levanta e abre sua mochila, buscando por suas roupas casuais. 

 — Vou me arrumar, Weavile! Estou muito ansioso para chegarmos em Arctic!

    Não questionando, Weavile termina de comer seu blintz, limpando a boca com um guardanapo e o dobrando para jogar no lixo. Ele nota Khoury sair do banheiro vestido para encarar o frio, de casaco, cachecol e gorro, mas de chinelos.

 — While! — Olhando para os pés de Khoury, apontou o que faltava, vendo-o bocejar. 

 — Tem razão, as botas! A rota para Arctic, partindo daqui, é uma grande descida com neve, preciso proteger meus pés. — lembrou-se, calçando as botas. Notas mentais o ajudavam a se organizar, e ele prezava por isso. Weavile o entrega seus óculos, que ele havia esquecido na bancada. — Danke, Weavile... Não sei o que faria sem você.

    Deixando o hotel, Khoury e seu Pokemon caminham pelas frias ruas de Glacial. A cidade seguia normalmente após o episódio no estádio da Liga Pokemon, que era rodeado por carros da polícia. Um mímico e seu Mr.Mime chamam a atenção de Weavile, que pede uma moeda de Khoury para presenteá-lo pelo número.

    Já na saída de Glacial, Khoury recebia as orientações do guardião do portão, um senhor barrigudo e agasalhado. 

 — Tome cuidado, rapaz! Está um dia de pura neve na Rota 3, lembre-se que não terá a segurança da tecnologia de Glacial City quando estiver lá! — aconselhou, abrindo o portão para Khoury. Duas estátuas idênticas de um homem, nas extremidades do portão, iluminam-se e analisam o corpo do menino, permitindo que saísse. — Graças a esse homem, Glacial pode prosperar sem que a neve atrapalhe... Devemos tanto a ele!

 — Às vezes eu me canso de ver o rosto dele por todos os lados — confessou, o que quebra o encanto do barrigudo. Este ajeita sua postura e fecha o portão.

    Mantendo o silêncio, Khoury e Weavile não estavam num bom clima. O menino não entendia o porquê de seu Pokemon agir assim, mas estava cansado demais para questionar e precisava se orientar pela estrada entre os pinheiros, era assim que chegaria em Arctic. Atrapalhando-se no caminho, ele escorrega na neve, quase caindo. Se não fosse Weavile, teria uma queda dolorosa.

 — Wrea!! While, weavile! — reclamou, balançando os braços. Khoury sabia que não havia gostado do seu comportamento de passar a noite em claro, mas para ele, o Pokemon não seria capaz de compreendê-lo.

 — Você vai ter que retornar... — disse fraquejando na voz mas erguendo a Pokeball de Weavile, que abaixa os braços desacreditado pela atitude dele.

    Antes que a Pokeball regressasse Weavile, Khoury e ele têm uma sensação estranha, até que veem uma bola de neve rolando para cima deles. Foi tarde demais para correrem e acabaram cobertos pela neve, com o garoto perdendo a capsula.

 — Cof cof! — tossiu Khoury. Via Weavile por cima de seu corpo, o protegendo da neve. Seus olhos brilham, emocionado, mas logo levanta-se procurando por alguma explicação do que houve.

    Um grande Pokemon crustáceo, coberto por pelagem branca, enfrentava outro Weavile. Khoury repara que suas trocas de movimentos geravam as avalanches, entendendo a situação, mas Weavile puxa sua blusa, apontando para um menino próximo do combate.

 — Você quer descer até lá?! — perguntou para Weavile, que assente com a cabeça. — É perigoso! Lá está um Crabominable, o abominável Pokemon das neves, esses tipos não são gentis!

    Decidido a não perder tempo, Weavile desliza pela descida, correndo para perto dos Pokemon. Khoury recupera a Pokeball e se vê obrigado a segui-lo, tomando cuidado para não acidentar-se ao deslizar na neve.

    Weavile salta para o meio dos Pokemon, cristalizando suas garras e bloqueando uma investida do outro Weavile, que é arranhado por ele no rosto, iniciando uma nova rivalidade. Já o outro Pokemon, Crabominable, não reagia.

 — Hey, venha comigo! — chamou Khoury pelo menino, que também estava agasalhado. Tinha os cabelos esverdeados, porém mais escuros que os de Khoury, e observava a batalha despreocupado. — Não está me ouvindo? — Continuava sendo ignorado.

    Escutando Crabominable rugir em explicação, o Weavile de Khoury se comove com a situação, saltando para o lado dele e se dispondo a encarar o outro de sua espécie, que dispara estacas de gelo contra ele, estas destruídas por suas garras metalizadas.

 — Weavail! — O Weavile oponente multiplica-se pela neve, e todos os clones correm ao redor de Crabominable. O Pokemon movia a cabeça em vários sentidos, e elevava as pinças na frente da boca, tendo tremeliques.

 — Weavile, onde você está? — perguntou, alto para seu Pokemon ouvir, mas não conseguia diferenciá-lo dos clones do Weavile selvagem. Tentando forçar sua visão, ele tinha ainda mais dificuldades por conta do sono. — Eu não sei qual é o meu Weavile...

 — Crabooo!! — Tentando atingir o Weavile verdadeiro, Crabominable une suas pinças peludas, destruindo um dos clones.

    Incrédulo, Khoury sentia-se cansado, mas não compreendia a razão de não conseguir diferenciar seu Weavile dos outros clones, sendo que estavam juntos há anos. Ele deveria saber, são muito próximos, mesmo que o dia estivesse estranho.

 — Vamos... — Cerrando os punhos, ele esfrega os olhos por baixo dos óculos. — Weavile! Tem um Snover em perigo bem ali! — gritou, apontando para uma árvore.

    O menino que estava observando a batalha olha para a árvore, mas apenas um dos Weavile faz o mesmo. Focando nele, Khoury se joga por cima, o abraçando.

 — É você! O meu Weavile! — exclamou, lacrimejando, mas o Pokemon desaparece. — Heh? Era um clone? N-Não...

 — Wea... — O Weavile de Khoury cutuca suas costas, de braços cruzados e sorrindo, mas é surpreendido por outro abraço.

 — Weavile... Desculpe — pediu, bocejando e fechando os olhos. Desligou-se dos pensamentos por um instante, contentando-se com ter encontrado Weavile. 

 — Weaa!! — gritou, mas o menino havia adormecido, e esforçava-se para segurá-lo. Ele sente mãos em suas costas, virando-se rapidamente.

"Prove sua força e torne-se um membros dos G-Fuel, aqueles que o protegem o mais rápido possível."

    As palavras repetiam-se em seu sonho, e ele quase sentia uma mão grande em seu rosto. Abrindo os olhos, Khoury percebe não estar mais na neve, ou mesmo no seu sonho, e sem sinais de Crabominable. Estava coberto, com a cabeça apoiada em sua mochila e havia uma fogueira à sua frente.

 — Você... — disse Khoury, percebendo que o menino de antes estava sentado, o observando. — Quem é você? Ah, não vai me responder, esqueci... 

 — Hector. — A voz do garoto surpreendeu Khoury. Weavile estava ao lado dele.

 — Pensei que não falasse ou escutasse, me ignorou antes... — respondeu, ajeitando-se para ficar mais confortável. Estava numa caverna, e a fogueira o esquentava.

 — Eu não precisava dizer nada, você esteve falando muito, preferi ouvi-lo — disse, retirando as mãos de seu casaco e jogando uma Pokeball para Khoury, confuso pela resposta. — É sua, não é? Deixou cair quando dormiu.

 — Dormi...? — perguntou-se, corando de vergonha. — Espera, já está de noite?!

 — Já, você dormiu a tarde inteira, pelo visto estava muito cansado. Deveria fazer algo sobre o seu problema de falar enquanto dorme, é estranho — respondeu, recolhendo uma xícara de chocolate quente das mãos de Weavile, que o agradece. — Tinha compromissos?

 — Eu... — Olhando para Weavile, Khoury suspira. — Sim, mas isso pode esperar... Eu que queria ter chegado o mais rápido possível, mas acabei estragando tudo. Desculpe por isso, Weavile.

    Sorrindo para Khoury, Weavile corre para perto dele, sentando-se. Hector volta a encarar a fogueira, deixando o silêncio prevalecer.

 — Então, meu nome é Khoury — revelou, não recebendo resposta. — Sou grato por ter me trazido até aqui, aqueles Pokemon lutando eram perigosos!

 — Eram? — perguntou, agora fitando Khoury. — Eu que fiz eles brigarem. Coloquei pedaços de Tamato Berry nos pelos do Crabominable enquanto ele dormia, essas frutas são as preferidas dos Pokemon que vivem no frio. Isso atraiu o Weavile selvagem e eles começaram uma briga, já que as garras arrancavam os pelos para pegarem a comida e sem eles, Crabominable não pode suportar a temperatura.

 — Heh? Por que você faria uma coisa dessas? — Khoury estava assustado pela naturalidade do menino ao explicar aquilo. Weavile sentia-se da mesma forma, levando as mãos até a boca.

 — Não era óbvio? — retrucou. — Eu queria ver uma batalha entre dois Pokemon na minha frente.

 — Você é um tanto sem noção... — falou, ainda em choque, mas Hector levantou os ombros.

 — Entrar em combate é importante para a natureza de um Pokemon e de um humano, é assim que se inicia e termina um confronto. O mais poderoso vence, o mais fraco perde. — Hector apresentou sua visão. As chamas da fogueira refletiam em suas pupilas amarelas, e Khoury absorveu a fala, refletindo sobre ela.

 — Eu não vejo assim — disse, e o menino o olhou. — Eu quero entrar para os G-Fuel.. Você já deve ter ouvido falar, não é?

 — Deveria? — perguntou, e Weavile juntou os braços atrás de sua cabeça, sabendo que Khoury iria empolgar-se para falar.

 — Claro! Os G-Fuel são heróis que atuam de forma independente, eles resolvem os assuntos mais delicados e urgentes com muita rapidez — explicou. Sua sombra era ressaltada na caverna. — Eles são Treinadores fortes, mas a força é usada para os auxiliarem nas missões. Exploram totalmente o potencial das habilidades de um Pokemon! É puro método científico, é...

 — Aonde quer chegar? — Interrompeu.

 — Os G-Fuel não ligam para a força, Hector... São as habilidades que resolvem, a técnica! Dominando-a, qualquer confronto pode ser resolvido rapidamente — concluiu, e Weavile concorda.

 — Não te entendo exatamente... — Tentava processar a informação, mas seus ideais eram diferentes. — E você acha que vai se tornar um deles dormindo em batalha? — perguntou, e Khoury coçou a cabeça, envergonhado.

 — Isso foi um acidente! Mas a verdade é que estou indo para Glacial City encontrar com um membro dos G-Fuel. Se ele ficar impressionado com as minhas pesquisas, talvez eu tenha alguma chance de fazer parte... — revelou, bocejando em seguida. Hector ri pelo nariz, e ele percebe o deboche. — Eu não vou dormir de novo!

 — Você também é sem noção, precisa descansar — falou, e Khoury se deitou de novo, com as mãos juntas na barriga. — Pokemon lutam entre si, os humanos apenas tornaram isso em algo amistoso hoje em dia, os treinando e tal. Mas eles seguem suas naturezas, aquele Weavile iria atacar quem fosse pela comida que gostava. Não concorda? — Não obtendo respostas, ele ouve Khoury murmurar algo, percebendo que já estava dormindo.

    Levantando-se, Weavile ajeita a coberta de Khoury, deitando-se descoberto ao lado dele. Hector impressiona-se com a atitude, o encarando por alguns minutos.

 — Weavile são Pokemon traiçoeiros, seguem a natureza obscura... Mas você é amigável — disse para Weavile, que dormia sorrindo, tendo colocado uma máscara nos olhos. — O que há de errado com você...?

    Questionando-se, Hector desejava conversar mais com Khoury, mas já era hora de dormir. Ele retira uma bainha de sua mochila, onde uma espada se guardava, mas apenas o punho dela era visível. Decidindo dormir, a guarda de volta e deita-se, virando para a parede. Suas sombras agitadas desapareciam no fogo. 

Continua

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