Capítulo 3

     Passar a noite na entrada de uma caverna coberta de neve não foi o momento mais agradável da vida de Khoury, mas ter um bom descanso restaurou suas energias. Exatamente o que precisava para continuar o caminho até onde encontraria Lyon; a cidade Arctic.

    Ao fim da Rota de neve, chegou no portão de Arctic City com Weavile. Estavam acompanhados por Hector, o menino que conheceram no dia anterior. As luzes do portão os aqueceram só por olhá-las.

 — Wea! — Não sentindo o frio, Weavile caçoa de Khoury, que espirra.

 — Heh, pelo menos estamos aqui! Foi bom ter você com a gente, Hector — disse, então passando a procurar pelo garoto, não o achando em lugar algum. — Ele foi embora...? Estava aqui há menos de um minuto!

    Estranhando o desaparecimento de Hector, Khoury ajeita sua mochila nas costas, retirando a neve que havia se acumulado nela. A entrada de Arctic City era decorada por símbolos esculpidos em mármore, como asas e uma coroa.

 — Essa cidade portuária é conhecida pelos matsuris para o criador de Blizzfalt, é verdade — confirmou, lendo dados sobre a cidade numa placa. — O que me importa mesmo é conversar com o Lyon!

 — While! — protestou, gesticulando com os braços freneticamente.

 — Você está certo... Tenho mesmo que controlar minha ansiedade, mas estou disposto a melhorar nossa amizade. — Sorriu para seu Pokemon, que segura em sua mão e aponta para a cidade. — Claro que podemos dar uma volta!

    A neve continuava a cair pela cidade ainda que não cobrisse o chão ou fosse tão incômoda, pois rolava morro abaixo indo para a Rota 3. Khoury e Weavile já haviam a visitado várias vezes no passado, mas sempre era bom apenas caminhar esquecendo preocupações.

 — Eu não resisto, Weavile! Preciso de um doce! — exclamou, retirando cédulas de seu bolso e correndo até um quiosque de doces artesanais. — Candy, não é? Vou querer uma caixinha de sortidos! — Fez seu pedido para a atendente do quiosque, que riu baixinho.

 — Sim, sim! — Candy tinha granulados no cabelo rosado, amarrado num coque por canudos doces. — Já provou as salsichas de inverno? São carameladas e estão saindo muito! Pegue uma de cortesia!

 — Danke! — agradeceu, pagando por seu pedido. 

    Mais afundo na cidade, uma lona cobria a Feira de Arctic, onde os moradores faziam suas compras dos mais variados produtos. Mastigando a salsicha doce, Khoury decide seguir Weavile, curioso com o que estava sendo vendido.

 — Pegue — disse uma moça sorridente ao entregar sua cesta para Khoury, que aceita, também agradecendo. — Assim fica mais fácil de carregar suas compras, meu jovem. E ainda é bonitinha, eu distribuo as cestas que faço com carinho por diversão!

 — As pessoas em Arctic são tão gentis... — pensava, vendo Weavile interagir com um Deerling de pelos amarronzados e logo se debruçar num quiosque de guloseimas. Sentia-se feliz por ter aceitado passear com ele, havia aprendido algo importante no dia anterior, mesmo que não admitisse.

 — Wreaa... — Percebendo um quiosque de sabonetes modelados para parecerem pequenos Darumaka, Weavile saliva, lambendo os beiços, mas resiste a tentação de comê-los, colocando uma mão na frente de seus olhos e seguindo em frente.

 — Ouvir, olhar, caminhar...Não precisamos comprar nada aqui para ficarmos felizes — falava com seu companheiro, entregando um doce para uma criança sentada no chão da feira, esta a agradecendo timidamente.

 — Ohoho... — riu um velhinho agasalhado como todas as outras pessoas da cidade. Ele chama a atenção de Khoury, o cutucando com sua bengala. — Gosta de amuletos? Tenho totens, cordões, talismãs! Variedade é o que não falta.

 — Desculpe senhor, eu não estou aqui para gastar dinheiro — explicou-se, mas o vendedor não o deixou ir embora, vendo migalhas da salsicha em sua boca.

 — Vejamos... — Ele procurava algo específico no meio de suas tralhas até encontrar um cordão, tendo um pingente circular similar a uma teia com uma estrela de sete pontas no centro. — Você parece estar em paz agora, jovem. Consegui sentir, e por isso estou lhe dando esse cordão.

    Khoury recebeu o colar, fitando o pingente. Conhecia aquele símbolo, mas não sabia de onde, o que o vendedor nota.

 — O olho de Kanaloa... — O velhinho começou a falar, conseguindo a atenção do menino. — Kanaloa significa calmaria. Este é o símbolo da Teia da Vida, a conexão entre todas as coisas, nas linhas do olho de Kanaloa.

 — Parece mesmo relevante — analisou, sentindo o pingente um pouco mais frio em sua mão, acompanhado por um estranho formigamento nos braços. O vendedor sorri e o silêncio reina entre eles. — Desculpe, me perdi nos pensamentos. Danke, senhor! Vou guardar o seu presente!

 — Ou ele que irá guardá-lo — gargalhou, achando muita graça do que disse. Para não o magoar, Khoury também força o riso, afastando-se de seu quiosque e guardando o colar no bolso.

    Após alguns minutos, Khoury resgata Weavile de um estande de maquiagem quente, chegando ao fim da feira no porto da cidade. Ambos admiram a vista do oceano, percebendo icebergs movimentando-se para cima e para baixo.

    Liberando uma raposa de uma Pokeball, Khoury a cumprimenta. Seus pelos estavam congelados e formavam alguns cristais nas costas.

 — Você deve estar se sentindo confortável aqui, não é, Glaceon? Foi mesmo onde evoluiu — disse para a raposa Glaceon, que concorda. — Quero que regule sua temperatura, fique à vontade! 

    Sentando-se de frente para o oceano, Glaceon tinha os pingentes de gelo de sua cabeça balançando com o vento forte. Ela fecha os olhos e por todo o seu corpo, novos cristais formam-se. Khoury recolhe o excesso.

 — É um Pokemon!! — gritou um garotinho de óculos, estes amarrados ao redor de sua cabeça, aproximando-se de Khoury. Usava um cachecol maior que seu corpo. — O que o Pokemon tá fazendo?

 — Bem... — Procurando pelos pais da criança, Khoury nota um rosto familiar aproximar-se, acompanhado por outro grupo de pirralhos. Tratava-se de Lyon, que dessa vez usava um gorro para que seus cabelos brancos não bagunçassem, mesmo que eles dessem um jeito de escapar. — Está vendo essa Pokemon? É uma Glaceon, e ela congela a umidade do ar, por isso seu corpo forma pingentes de gelo! — explicou, entregando um dos pingentes para a criança, que saltita feliz.

 — Posso fazer carinho no Pokemon? — perguntou uma menina de aparelho nos dentes, recebendo a permissão de Khoury. Glaceon gosta da atenção, pedindo mais. — Isso está na lista de coisas mais legais que já fiz, em seguida de cirurgia!

 — Ehr... — Ignorando a declaração da menina, Khoury cora, querendo impressionar Lyon pelo seu conhecimento. Ele levanta o indicador e volta a falar. — Os Glaceon precisam regular a temperatura de seus corpos com frequência, por isso ela está solta!

    Enquanto as crianças divertiam-se com Glaceon, Weavile e Khoury se aproximam de Lyon, que os recebem sorrindo.

 — Você sabe, ensinar essas crianças é um dos meus trabalhos! — disse, cruzando os braços. — Estamos concluindo essa excursão, logo estarei o esperando na biblioteca, pode ser? — sugeriu, encostando na cabeça do menor, que surtava internamente.

 — C-Claro! — Confirmou — Danke, Lyon!

    Depois de despedirem-se das crianças, Khoury leva seus dois Pokemon até a frente da biblioteca, uma construção coberta por neve, mas exibia seu grande relógio no topo. O menino brincava com o cordão que ganhou, o guardando assim que vê Lyon se aproximar.

 — Glace! — A Glaceon anunciou a chegada de Lyon, interrompendo sua conversa com Weavile.

 — Lyon! — chamou pelo homem, acenando. — Estamos aqui!

 — Eu sei — riu, cumprimentando o garoto assim que chegou perto dele. Ele encosta sua mão direita na porta da biblioteca, dando duas batidinhas. — Beartic, pode abrir?

    Khoury, Lyon e os Pokemon escutam o barulho de algo colidindo, até que a maçaneta passa a balançar e a porta se abre revelando um Pokemon urso de pelos brancos, com barbichas congeladas.

 — Beartic, aí está você! — Lyon também cumprimenta seu Pokemon, que carregava alguns livros nas patas. — Entre, Khoury! Aqui poderemos conversar melhor, a biblioteca está fechada para o almoço, por isso deixei Beartic cuidando dela.

 — E ele não estraga nada? — perguntou, vendo um livro com marcas de garras no chão. Beartic o chuta para debaixo de um tapete e caminha como se nada tivesse acontecido.

 — Não mesmo, Beartic foi treinado por mim, ele sabe como ter cuidado com as coisas. Além de tudo, eu o ensinei a ler. — Gabou-se, vendo o urso concordar.

 — While? — perguntou Weavile para Beartic, que confirma com a cabeça. Glaceon fingia que não os conhecia.

 — Eu nunca vi um Pokemon que soubesse ler... — confessou, chegando até o suposto fim da biblioteca, uma sala com livros infantis e almofadas coloridas espalhadas pelo chão. — Então, eu...

 — Não chegamos ainda, essa é a sala que eu trabalho contando as lendas para as crianças da cidade —  riu de novo, interrompendo Khoury. Ele encosta num dos livros da estante e de repente as paredes se abrem, revelando uma nova entrada. — Lembra-se do campo de batalha daqui, não é? Onde tivemos nossas batalhas há alguns meses.

 — Lembro sim — respondeu rápido, impressionado mesmo assim. Estava nervoso com Lyon ao seu lado, sabia que ele era um líder de ginásio e G-Fuel, precisava impressioná-lo.

 — Beaaar! — chamou Beartic pelos Pokemon de Khoury, correndo de quatro patas até o campo de batalha. Weavile e Glaceon trocam olhares, aceitando o desafio.

    Glaceon pisa forte no campo, cristalizando-o por completo. Ela é erguida numa plataforma de gelo e dispara raios congelantes contra Beartic, que os refutava com as patas. 

 — Weaaavile!! — Weavile tomou impulso na plataforma e deslizou até Beartic, que tenta agarrá-lo, mas ele se abaixa passando por debaixo de suas pernas e atingindo-o nas costas com arranhões.

 — Pokemon de gelo são competitivos entre si, deixe-os se divertirem — pediu Lyon, sentindo que Khoury estava incomodado. — Muito bem, vamos finalmente conversar! Foi um dia cheio, estou exausto daquelas crianças...

 — Hehe... — Tímido, ele ri, mas segura firme no pen drive que havia retirado de seu bolso. — L-Lyon... Todos os dados das minhas pesquisas estão nesse pen drive, mas eu resumi bastante para você de madrugada, sei como é ocupado. Não foram muitas coisas, mas...

 — Eu li tudo de manhã, não teria te chamado aqui se desconsiderasse a sua pesquisa. — Lyon cortou a fala do garoto, que se cala. — Vamos lá, fique a vontade! Está sempre nervoso porque quer ser um G-Fuel, não é? Eu não sou tão diferente de você...

 — Eu sei, Lyon, mas... — pensando melhor, Khoury decide sorrir. — Não importa, você está certo. No dia da final da Liga, eu fiquei no estádio porque Weavile quis salvar um Pokemon de se machucar. Nisso, vi alguém surgir na frente do Zoroark dourado, e tinha a voz feminina... Era delicada, também!

 — Certo, continue — pediu Lyon, prestando atenção. No campo de batalha, Beartic arremessava Weavile em Glaceon, que reclamava do peso dele.

 — Essa pessoa injetou algo no corpo do Raticate do Professor Acácio, e ele também ficou dourado — revelou, chocando Lyon. — Eu acredito que essa cor no Zoroark também seja artificial... Considerando isso, pesquisei sobre Pokemon e pessoas que poderiam estar ligados a isso, e o melhor resultado que encontrei foi esse!

    Abrindo seu notebook e o repousando nos joelhos, Khoury insere o pen drive e digita no campo de pesquisa do navegador, sem precisar olhar para as teclas. Abrindo uma página, esta revela a imagem de um cartaz de filme.

 — My Goldeen Sunshine? — Lyon perguntou, lendo o nome do filme no cartaz da tela. — Aquele filme com um Goldeen dourado que ainda não foi lançado? Karina Rodeo está atuando nele!

 — Exatamente! — Empolgado, Khoury amplia a imagem, focando no nome da diretora do filme. — Karina Rodeo é apenas uma atriz famosa, mas o que me intrigou foi quem está por trás da direção! Satomi Nanba, a mulher obcecada por Pokemon que brilham! Ela usa metáforas sobre Pokemon valerem ouro, já se envolveu em polêmicas antes e ninguém sabe como conseguiu um Goldeen dourado para o papel!

 — Wow, impressionante! — admitiu, reconhecendo. — Eu também acho que seja algo artificial, mas se Satomi estiver mesmo envolvida, teremos que observá-la.

 — Karina Rodeo publicou nas redes sociais dela que está fazendo gravações em Snowfocus, e isso é bem aqui perto! — explicou, e Lyon pegou seu celular, digitando algumas mensagens. Curioso, ele toma coragem para perguntar. — Lyon... Os G-Fuel já estão agindo para investigar o que aconteceu?

 — Huh? É claro que estão — respondeu, vendo Khoury sorrir e olhar para suas próprias mãos.

 — Você acha que sou bom o suficiente para me tornar um? — perguntou, cerrando os punhos e olhando nos olhos de Lyon, que ri após alguns instantes de surpresa.

 — Eu sou apenas um G-Fuel Especialista, Khoury. Para você provar sua habilidade e entrar, deve estar diante de um Super G-Fuel, como o Lance.

    Lance... Esse era o G-Fuel que Khoury mais admirava. Sempre ouviu histórias sobre seus feitos heroicos e assistiu suas batalhas na televisão. Uma das promessas de seu pai era apresentá-los quando fosse a hora, mas a vida não contribuiu.

 — Passe isso para ele, por favor! Eu quero poder ajudar mais, ao lado de vocês! — determinado, Khoury pediu. 

 — Não é tão fácil assim... Lance é o Campeão da região de Johto e está atuando lá, além de em Kanto e no nosso Arquipélago, como líder dos G-Fuel — explicou, o que Khoury já sabia. Aquelas regiões distantes não o interessavam. Percebendo o menino desanimar, ele dá um soquinho em seu ombro. — Não fique assim! Partiremos amanhã para Snowfocus, não é? Vamos com a minha caminhonete!

 — Heeeh? Eu e você?! — Assustado, Khoury quase derruba os óculos, mas apenas seu colar cai do bolso da calça de moletom. — Numa missão secreta de G-Fuel?!

 — Como preferir chamar... — debochou, rindo do menino calar a própria boca com as mãos para conter um grito. — Nos encontraremos amanhã, mas com uma condição extremamente importante! — revelou, e Khoury ficou sério. — Não suje, em hipótese alguma, a minha caminhonete! É meu bem mais precioso!

 — Tudo certo então! Estou super ansioso — disse, abaixando-se para pegar o colar, mas Weavile cutuca suas costas, o entregando. — Uh, danke, Weavile!

 — Espere... — Lyon observou o símbolo do pingente, segurando as mãos de Khoury para ele não guardar. — O olho de Kanaloa? Você acredita nisso?

 — Bem... Pelo que entendi, é uma metáfora. Não posso acreditar se não tem dados concretos sobre — respondeu, e Lyon cruza os braços, observando Beartic no campo de batalha, combatendo Glaceon sozinho.

 — Entre todas as cidades de Blizzfalt, logo Arctic foi ter um especialista em Pokemon de gelo cuidando do ginásio, mesmo que em outras cidades neve sem parar. — Começou a falar, e Khoury prestou atenção em Glaceon, que tentou passar pelas pernas de Beartic, mas ele as fechou, prendendo-a. — Por mais que detalhes façam as coisas parecerem óbvias, não podemos tê-las como verdades até que isso seja provado, mas também não é possível provar tudo. É divertido, não? Perguntas sem respostas não me impedem de tentar interpretá-las, e também não deveriam impedir você.

    Percebendo Beartic conseguir derrubar Glaceon, Khoury compreende o que Lyon quis dizer, resolvendo apenas observar a batalha de treino.

    Já de noite, Khoury havia conseguido um quarto na casa de Lyon, que o pediu para ficar o mais confortável possível. De pernas cruzadas na cama, ele digitava em seu notebook, iniciando outra pesquisa. O pen drive já estava plugado. Weavile dormia vestindo uma máscara nos olhos, não notando que o garoto iria madrugar de novo.
    Na tela, um arquivo carregava, e então projetou a imagem de Lance, o Super G-Fuel, de lado num campo de batalha. Seus cabelos avermelhados espetados destacavam-se na sombra, e seu traje azulado com suspensórios dourados evidenciava o cargo de alto comando nos G-Fuel. A capa escura era cortada nos limites da foto.

Continua

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Página de Khoury atualizada.