Capítulo 9

    Na Painting Village, o dia se iniciava como numa pintura em tela, com o sol emergindo acima das nuvens que ganhavam tons rosados em suas margens. O pintor Justin preparava uma exposição de seus novos trabalhos na frente do Café dos Artistas, ele havia passado a noite inteira pintando, aproveitando sua criatividade, e os moradores do vilarejo dormiram ansiosos sabendo disso.

 — Oui! — Justin iniciava a exibição, arrancando um lençol de seda que cobria sua pintura, e as pessoas reagem com surpresa ao ver o lindo amanhecer da Painting Village retratado na tela.

 — Pensei que ele fosse pintar alguma pedra aleatória, mas o cara manda bem. — Lyon cruzou os braços, sorrindo ao ver a pintura. Khoury, sonolento, estava ao seu lado.

 — Oui, minha pintura retrata o começo de um novo dia, assim como esse. — E apontou para o céu. — Decidi que minhas pinturas precisam passar sensações, sentimentos... E Kimawari é perfeito para isso!

 — Kimawari? — perguntou Maria, enrolando alguns fios de cabelo. — Aquela canção sobre o sol?

 — Oui! É uma canção de bom dia, que traz felicidade, sorte e também agradece ao sol por nos iluminar mais uma vez.

 — É a canção das Sunflora, aprendi sobre quando capturei a minha — disse Khoury sem olhar para Lyon, prestando atenção no quadro.

 — Esse sentimento... É uma inspiração! — Justin começa a dramatizar, cerrando um punho na frente de seu rosto. — O início de um novo dia, oui, com novas possibilidades! Por que não pintar todas elas numa tela ou... numa pedra? — Ele puxou outro lençol, revelando diversas pedras pintadas.

 — É, eu deveria ter imaginado... — riu Lyon ao ver o homem se emocionar ao erguer uma de suas pedras, e os demais pintores se agitarem com o entusiasmo.

    Após o fim da exposição, os pintores da vila passam a pensar em suas novas escolhas e em formas de retratá-las em pinturas. Já Khoury e Lyon voltaram ao Café dos Artistas, e o G-Fuel acabara de receber uma mensagem de seus superiores.

 — Encontraram dados sobre o homem que Justin pintou no retrato falado, mas o nome dele não é Vel. — Lyon guardou o celular, e Khoury o esperava continuar. — É Goone, formado em biologia com especialização na área de genética. Muitas compras de livros estão registradas no nome dele, mas nenhuma tinta dourada ou algo incomum para sua área. 

 — Então, se Vel e Goone forem a mesma pessoa, é possível achar a localização dele? — indagou Khoury, oferecendo um pouco de café para Weavile.

 — Provavelmente... Isso é ótimo, sinto que estamos perto! — Pareceu esperançoso, e viu Khoury sorrir. — Mas se também for um inocente, como Satomi e Chaz... Não vai ficar bom pro meu lado. Não podemos errar dessa vez, precisamos ter certeza.

"Woooooooo!!!"

    Uma vaia coletiva é ouvida no café, e os dois meninos olham para a televisão, que exibia uma reportagem esportiva. 

 — Aquela é a Annie! — Khoury reconheceu uma mulher loira de óculos escuros, que tentava ignorar diversos repórteres. — O que houve com ela?

 — Não ficaram sabendo? — Maria colocou as mãos no ombro de Khoury, o surpreendendo. O brilho de seus brincos o fez virar o rosto. — Estão todos contra ela! A acusaram de abusar do Pokemon dela nas corridas depois dele desmaiar por exaustão.

 — A Annie?! Isso não pode ser verdade, ela é minha Dasher preferida de sempre, e super popular! — Alterou seu tom de voz, não gostando nada do que ouviu. 

 — Agora que falou, Maria, acho que vi uma notícia sobre isso... — Lyon coçou o queixo. — O Raichu dela usou Volt Tackle para correr mais rápido, mas não resistiu ao cansaço do movimento e desmaiou no percurso, não foi?

    Ignorando o que Lyon e Maria conversavam, Khoury foca no rosto da Dasher na televisão, a vendo gritar com os repórteres, mas não conseguia ouvir nada por conta das vozes dos artistas nos café.

 — Me deixem em paz! — Annie tinha uma toalha passando por trás de seu pescoço para enxugar o suor, e a usa para ameaçar quem se aproximasse. — Não tenho nada para falar com vocês! Não se importam com nada!

 — Você que não se importou com o seu Raichu! — Uma garotinha no colo de seu pai apontou um dedo para Annie, que, perplexa, virou a cara e correu.

    Annie não queria saber do que aquelas pessoas achavam. Suas pernas já a levaram rapidamente para muitos lugares, mas a diferença de agora era que ela não tinha ideia de para onde correr. Então apenas se permitiu seguir reto, desviando de pessoas e seus comentários.

 — Deixe que ela corra, é o que sabe fazer de melhor. — O pai da garota falou para um repórter que tentou ir atrás da Dasher.

    Tendo observado toda a cena de Annie, alguém entre a multidão agora se afastava, sem que percebessem sua presença. Um fio de cabelo ruivo era levado pela corrente de vento, sabe-se lá para onde.

 — Raichu... — Ela lembrava-se em pensamento da visão de seu Pokemon deitado numa maca, na traseira da ambulância do campeonato. — Como que isso foi acontecer...

    Mais cedo, a cidade Ralifen tinha apenas um foco, o campeonato de Pokemon Dash no Rally Stadium. Os corredores mais famosos do mundo vinham participar das seletivas para o mundial que acontecia em poucas semanas, e teriam que realizar o percurso inteiro da prova, que consistia em três etapas.

    Porém, durante a última etapa, uma corrida de obstáculos na pista do estádio, Annie havia pedido para seu Raichu ir ao limite com Volt Tackle, para que ficasse mais rápido e chegasse em primeiro. Todas as pessoas que assistiam a vaiaram no momento que seu Pokemon desmaiou e a fez tropeçar em cima dele.

 — Raichu já está com a eletricidade do corpo estabilizada, não corre riscos de vida, mas vai precisar descansar por um tempo. — A doutora destacava uma folha de sua prancheta para Annie, que a pega incrédula. — O que você fez... Foi de extrema irresponsabilidade com seu Pokemon, mas também faltou como amiga. Fez isso para se beneficiar, não se importou se ele ficaria bem. Não tem mais a minha admiração.

    Ignorando as palavras da médica, Annie lia o que foi receitado para Raichu, pensando nos gastos que iria ter. Não poderia participar do mundial com seu Pokemon nesse estado.

    Assim que ficou sozinha com Raichu, Annie parou para refletir, sentando-se à beira de uma fonte com chafariz, um Accelgor cuspindo água em mármore. As pessoas que passavam a olhavam como de costume, mas agora não se aproximavam e apenas faziam expressões de desprezo.

 — Você não acha justo, não é? — Annie ouviu uma voz masculina, e percebeu uma pessoa sentando-se ao seu lado na fonte, mas não virou o rosto para vê-la. — Annie Rakad... Uma Dasher tão popular, querida por todos, mas foi massacrada por um único erro.

 — Se veio aqui me encher o saco, vá embora, é a última coisa que preciso. — Foi grossa ao falar, mas não percebeu o homem levantar. — Não foi um erro. Raichu e eu concordamos e treinamos o Volt Tackle para esse momento. Combinamos que ele aguentaria, era uma ótima estratégia. Eu não sou um monstro insensível, reconheço que é um golpe arriscado! Isso me tira do sério!

 — Entendo, não pensou sozinha no que fez. Mas destruir tantos obstáculos com o próprio corpo ao invés de esquivar deles... — respondeu a voz áspera, que intrigava Annie em cada palavra. 

    Num momento de fraqueza, a Dasher escondeu o rosto com as mãos, temendo chorar.

 — Raichu sabe que não fiz nada para machucá-lo! Eu nunca faria isso, sempre concordamos em tudo! — gritou, cerrando os punhos e os levando até seus joelhos.

 — Lai lai... — Raichu encostou no punho direito de Annie, que os relaxou e o olhou.

 — Eu posso torná-la mais poderosa se vier comigo. — A voz continuou, e Annie então virou-se, descobrindo que era mesmo um homem e que tinha os cabelos vermelhos e arrepiados, usando roupa social. — Não vão mais julgá-la quando voltar para a corrida.

   Um empresário, talvez? Uma proposta para alavancar sua carreira? Seria o mundo tentando compensá-la de um cancelamento global? Sim e não.
    Em minutos, Annie havia acompanhado o homem pela cidade, de cabeça baixa por todo o caminho, chegando até uma casa velha que parecia abandonada. Decidindo se arriscar, ela aceita entrar, algo a fazia confiar muito naquela pessoa. Talvez, não ter mais confiança em si mesma fosse a razão.

 — Quem é a bonitinha? — Um homem de ombros largos e braços fortes, escondido por uma capa cinzenta estava com um celular nas mãos, sentado numa cadeira.

 — Ela é Annie Rakad, a Dasher que está nos noticiários. Achei que pelo menos acompanhasse o que acontece na atualidade — provocou o ruivo. — Annie, este é H.R., ele trabalha para mim. Também está aqui pelas mesmas convicções suas, uma situação injusta.

 — O que quer dizer? — Annie perguntou, vendo o de capa cuspir um chiclete no chão.

 — Mostre a ela, Rebecca! — gritou o homem de terno, mas nada aconteceu. — Rebecca! — Voltou a gritar, e dessa vez Annie ouviu o barulho do que parecia ser alguém rolando escada abaixo.

 — Estou aqui, pai... — Tratava-se de uma menina morena e franzina, com cabelos azulados e olhar caído, diferente de seu pai.

 — Mostre para nossa nova companheira qual é a minha proposta. — Voltou a pedir, não se importando com a garota ter se machucado nas escadas.

 — Certo... — Rebecca também usava um colar de concha, e o apertou para abri-lo. Uma Pokeball dourada estava guardada ali, e ela pressionou o botão central para aumentá-la e então liberar seu Pokemon.

 — Mas... Mas o quê?! — Deparando-se com uma flor gigantesca e totalmente dourada, Annie recua ao ver os olhos estáticos do que nem acreditava ser um Pokemon.

 — Essa é Florges, ela é um Pokemon Break. — Rebecca apresentou para Annie, sem nenhuma empolgação, mas seu pai a repreende com uma tossida.

 — Break? — perguntou, vendo Raichu se segurar em sua perna.

 — Break é o nome dado a essa forma dourada que os Pokemon podem assumir. — O homem que trouxe Annie até ali voltou a falar. — Sentimentos... Precisam ser desmanchados para que o Pokemon mostre seu real poder. Tudo que prevalece é a fúria.

 — Um Break perde a sensibilidade com a dor, ultrapassa os limites e nunca cai. — H.R. continuou a explicação, enquanto Annie via a Florges quase que estática.

 — Minha proposta é que Raichu seja transformado num Break. — O ruivo ajeitava seus cabelos, colocando uma espécie de tiara redonda e dourada que ficava presa em sua testa. — Assim, Volt Tackle terá um poder infinitamente maior, e ele não vai se cansar!

 — Mas... Se Raichu se tornar um Break, ele vai perder os sentimentos dele, não é? — Sua pergunta teve a confirmação do homem. — Mas quero tanto ganhar...

~Laichu... — Percebendo a tristeza no rosto de sua treinadora e lembrando-se de tudo que já passou, Raichu suspira e segura na mão de Annie, afirmando com a cabeça.

 — Você quer mesmo isso? Certo, se concordamos... Por mim tudo bem — Após sua fala, um sorriso se formou no rosto do homem. Rebecca não parecia muito contente e H.R. não se importava.

 — Vamos começar com o V-Rush. — Ele retirou uma seringa do bolso de sua calça, e Raichu recuou. — Não vai doer, acredite. 

 — O que é V-Rush? — perguntou Annie, receosa.

 — É o que permite que Raichu se torne um Break. A aparência dourada é resultado da aceleração do corpo do Pokemon, por isso o enxergamos nessa cor, mas a verdade é que estão muito rápidos, repletos de adrenalina. — E injetou a seringa em Raichu, fazendo o Pokemon morder o lábio inferior.

    Raichu ajoelhou-se diante de Annie, sentindo um poder novo correr por suas veias. Arfando, ele a olha, percebendo-a aflita, e então lembra-se que a decisão daquele momento era para torná-lo mais poderoso. Ele não era o suficiente, mas com essa oportunidade, seria além disso. Soltando um grito de agonia, sua pelagem passa a se colorir aos poucos com o tom dourado, até que para de sentir dor, ou qualquer outra coisa. 
    Annie assistia perplexa, não imaginava a sensação e nem conseguia. Se questionava a decisão que tomou? Não. Estava de certa que fez o melhor, com o consentimento de seu Pokemon, seu amigo.

 — Infi, por favor — pediu o ruivo, e uma mulher de cabelos coloridos e trajes brancos se materializou em sua frente. Annie estava ocupada demais assustada com a transformação de Raichu para perceber isso.

    Infi, a mulher que se materializou, caminha até a criatura, encostando em seu rosto enquanto estava atordoado, e seus olhos tornam-se algoritmos, como se lesse os dados de Raichu. Então, imprime uma carta de sua boca, com a imagem do Break Raichu.

 — Raichu! — Segurou nas mãos do Pokemon, agora quase do tamanho dela, mas ele apenas a encarou. — Você me conhece?

 — Esqueça as perguntas, Annie. Tenho uma missão para vocês dois, e se voltarem, estarão dentro da Team Turbo.

 — Como... Como sabe que não vou denunciá-lo? Está confiando em mim?

 — Oh... Você não vai. — Fez uma pausa para rir. — Seu Pokemon é como uma bomba que pode explodir a qualquer momento. Não vai querer isso, não é?

 — Eu... — Cerrando os punhos, ela prefere se manter confiante. — Posso ao menos saber seu nome?

 — É Vel. — Voltou a sorrir.

    Passadas algumas horas, Khoury e Lyon corriam pela estrada na direção de Glacial City. Khoury não entendia direito o que acontecia e atrapalhava-se nos passos, ouvindo risadas de Weavile, enquanto o líder de ginásio estava montado em Beartic.

 — Lyon...!! — falava como podia, pois corria sem parar para acompanhar. — Explicações!!

 — Meu superior alertou que há um terceiro professor chefe no comitê de ciências e tudo indica que será um alvo hoje, pois Kodai e Acácio foram! Ele vive em Glacial, não podemos perder tempo! — gritou Lyon, e Khoury arregalou os olhos, ajeitando os óculos para não caírem.

    Chegando na cidade, Beartic passa pelo portão sem antes ser verificado, e Khoury apenas o segue. Weavile pede desculpas, mas continua correndo. Lyon estava com o coração extremamente acelerado e tudo só se agravou quando viu fumaça pelo céu.

   Correndo pelas ruas, Lyon e Beartic são os primeiros a virarem a esquina da casa do terceiro professor, a vendo destruída e com vários carros da polícia à frente. Raichu, completamente dourado, saía dos escombros, com uma mulher loira mascarada para não ser reconhecida.

 — Não... — Lyon sentiu a raiva o consumir, vendo o professor nos braços de Raichu. — Professor Run!

 — Lyon! — Khoury conseguiu chegar até seu amigo, com Weavile ao lado, mas não conseguiu o impedir de saltar das costas de Beartic e avançar na direção do Raichu dourado.

    Lyon erguia um bastão metálico que se prolongava em suas mãos. Ele toma a frente dos carros de polícia, indo na direção da casa destruída. Seu olhar era de puro ódio.

 — Break Explosion! — A mascarada sacou uma carta brilhante e apontou para Raichu, que assentiu com a cabeça e passou a reunir energia em suas mãos, potencializado com descargas elétricas.

 — Hyah! — Lyon rebatia as descargas com seu bastão, emborrachado nas pontas, conseguindo se aproximar do Break.

 — Não interfira, por favor! — Run implorou para Lyon, que recuou confuso. — Se fizerem isso, vão me matar!

 — Eu posso salvá-lo! — Lágrimas escorriam pelo roto de Lyon, que agora tinha Beartic ao lado.

 — Mas se você também não quiser morrer, pode colaborar, ou irá junto com a explosão. — A mascarada ameaçou o Professor barrigudo, que via a energia nas mãos de Raichu, muito próxima de seu rosto.

 — Minha teoria é de que a elemental pode estar em Wind City, já que os arcos-íris são frequentes por lá. Tudo indica para essa cidade! — Nervoso, Run gritou a informação, e Lyon conseguiu entender perfeitamente.

 — Ha! — Sua risada foi curta. — Libere a energia, Raichu!

    Soltando o professor, Raichu junta suas duas mãos, concentrando seu poder. O velho tenta fugir, mas a mascarada agarra em seu jaleco. O local iria explodir, mas Weavile, surfando numa corrente de neve e com o corpo cristalizado, forma uma barreira na frente de Lyon e Beartic, contendo todo os danos, pelo menos aos dois.

 — Professor Run!! — gritou Lyon, vendo a silhueta do homem desaparecendo na fumaça, assim como a da mascarada e a do Raichu.

Continua