Capítulo 14

    A cidade inteira estava em chamas. Lyon corria ofegante, com os olhos arregalados e segurando um pacote de papelão. Não havia ninguém com ele e não podia contar com a ajuda de seus Pokemon. Ouviu um grito e virou-se, vendo Khoury e Michiyo o estenderem as mãos. Ele parou de correr e os fitou. Precisava decidir.

 — Você tem que ser responsável e sério, siga com sua missão! Lyon! — gritou uma voz grave em tom de irritação.

    Olhando nos olhos de Khoury, Lyon cerrou seu outro punho e voltou ao seu caminho. Uma tábua de madeira em chamas despencou acima dos dois.

Horas antes...

 — Há quanto tempo você não visita Arctic, Michiyo? — perguntou Lyon, que caminhava com as mãos por trás da cabeça.

 — Eu... Nunca estive em Arctic — revelou, e os dois garotos trocaram olhares, surpresos. — O quê? Acham que eu queria ser odiada em outro lugar também?

 — As pessoas daqui são bem tranquilas, não vão odiar você! Elas sempre me dão doces na feira — contou Khoury esfregando a barriga, e Michiyo afastou o cabelo dos olhos.

    Olhando ao redor, ela viu diversas crianças correndo com Snom no colo, provavelmente indo para a escola. Ao longe via barraquinhas da feira de Arctic, onde velhinhos conversavam alegremente. Não ter ninguém a julgando com o olhar a fazia muito bem.

 — Dormaaa! — Um Darmanitan coberto por neve gritou ao longe e saltou sobre algumas crianças, aterrissando na frente de Lyon. Assustada, Michiyo o apontou seu cajado. — Dorrr?

 — Ai!! — gritou ao ver o Darmanitan de neve morder seu cajado como se fosse um graveto, achando que era uma brincadeira. — Como se atreve!!

 — Whea! — Weavile separou os dois, saltando das costas de Beartic. 

 — Que bom revê-lo, Darmanitan — disse Lyon, agachando na frente do Pokemon.

 — Isso é seu?! — A menina sentiu-se provocada quando o Darmanitan a mandou um beijo.

 — Lyon o deixou cuidando da biblioteca enquanto estávamos fora — respondeu Khoury, poupando explicações. — Ele parece ter algo pra você, Lyon...

    E realmente tinha. Darmanitan retirou uma carta da grande bola de neve em sua cabeça e a entregou para Lyon. O G-Fuel a leu rapidamente, levando uma mão até a boca no meio da leitura.

 — Não sabem que existe celular na atualidade? — perguntou Michiyo, tentando bisbilhotar e ler a carta.

 — Eu tenho um compromisso pelo visto, dei sorte de não ter o perdido — concluiu Lyon, guardando a carta. Ele virou-se para os outros com um pequeno sorriso. — Voltarei até a noite! Arrumem algo para fazer na cidade, vejo vocês depois.

 — Vai sair assim? — Michiyo cruzou os braços.

 — Não é a primeira vez... Já pode começar a falar que vai ver o Lance — alfinetou Khoury. Lyon o olhou de canto e retirou Mawile das costas de Beartic, o que a fada não gostou.

    Sem mais palavras, ele foi com Beartic para o leste da cidade, deixando os amigos e os Pokemon. 

 — Seu amigo ainda me incomoda. Se ele não quer que você saiba o que vai fazer é porque tem algo errado.

 — Lyon tem seus mistérios, mas... Estivemos focados demais nos últimos dias, merecemos um tempo. Não seria má ideia visitar o museu de Arctic, isso está na minha lista há meses! É, decidido! Até mais, Michiyo! — Ele virou de costas, mas Michiyo o rodou com o cajado.

 — Como assim, não posso ir com você também? Não têm museus em Wind, eu quero ir até um!

 — Darmaan! — Darmanitan segurou na mão de Michiyo, que o empurrou com o cajado de novo.

 — Você vem se quiser, não é lógico? — perguntou, e a menina suspirou. Weavile e Mawile já o acompanhavam.

 — Você vem também? —  perguntou a menina ao Darmanitan que já a seguia com o olhar fixo em seu cajado. — Ótimo...

    Na feira de Arctic, Michiyo conheceu Candy e seu quiosque de doces, mas Weavile a obrigou a ver os novos sabonetes com formatos de Pokemon. Mawile encantou-se com novas plantas e flores que Wind não possuía, e Khoury reparou que o senhor que o deu seu colar do Olho de Kanaloa não estava mais num quiosque, talvez por estar de folga ou qualquer coisa assim. Não muito tempo depois, todos passaram do porto e chegaram na praia congelada de Arctic, onde viam as costas de Avalugg, o Pokemon Iceberg vivo, flutuando na água.

 — Sabe, o museu de Arctic é um pouco diferente, Michiyo...

 — EEEEHHH?! — Arregalando os olhos, ela vê um cartaz eletrônico mostrando as informações do Museu... Subaquático de Arctic!

 — Sejam bem vindos! — Uma voz doce soou, mas Michiyo ainda esfregava os olhos. Tratava-se de uma mulher loira numa roupa emborrachada escura. — Sabem como funciona a visitação ao museu?

 — Temos que alugar os trajes de mergulho, certo? — perguntou Khoury, retirando a carteira do bolso.

 — E-Espere! Você está me dizendo que vamos ter que mergulhar nessa água congelante para visitar o museu?!

 — Claro! — respondeu a moça. — Nosso querido museu está submerso, nas ruínas do antigo farol de Arctic! Se quiserem visitar, vão precisar do traje e de um Pokemon de água ou gelo que saiba nadar!

 — De água ou gelo... — Michiyo pensava em suas opções, até sentir uma mão gelada em seu braço enquanto o cajado era puxado. — D-Darmanitan...

    Em poucos minutos, Khoury e Michiyo estavam usando os trajes de mergulho. Eles tinham aquecedores internos para que pudessem resistir ao frio, além de capacetes com oxigênio suficiente para uma visita de uma hora. Quagsire foi o escolhido para acompanhar Khoury e Weavile, enquanto Michiyo e Mawile tinham o Darmanitan de Lyon, mesmo que a menina não concordasse muito com isso. Além deles, Jessie, a mergulhadora guia, tinha seu Dewgong pronto para o serviço.

 — Oh, temos mais um visitante também e ele alugou um Mantine com a gente! — exclamou Jessie quando Khoury e Michiyo guardavam seus pertences.

 — Você? — Khoury levantou uma sobrancelha ao ver Hector já vestido com o traje.

 — Eu. Quem é ela? Esposa? — perguntou, deixando Michiyo corada.

 — Eu não tenho idade para casar! Essa é Michiyo, uma amiga que está me ajudando na investigação — apresentou, e Hector cumprimentou a garota de longe apenas levantando a mão na altura do peito.

    Weavile e Mawile também estavam com os trajes e agora tudo estava pronto para o mergulho! Todos os visitantes e a guia eram ligados por um cabo de aço preso na superfície para que não se perdessem um dos outros. Michiyo não estava tão confortável em ter que se segurar em Darmanitan, que nadava desengonçado.

 — Quaaaa! — Quagsire tentava nadar até um ponto luminoso no fundo do mar, mas Khoury o fazia voltar à rota todas as vezes.

 — O antigo Farol de Arctic foi considerado uma das maravilhas do mundo antigo, mas durante a Guerra no Arquipélago ele foi destruído — explicava Jessie. Dewgong era o mais veloz dos nadadores e todos prestavam atenção. — Suas ruínas estão submersas, mas isso não nos impede de explorá-las!

    Entre diversos blocos de pedra haviam partes iluminadas que integravam o trajeto de visita. O grupo podia observar alguns objetos cobertos por algas, mas pelo formato dava para identificá-los. Alguns cetros partidos, talheres, rodas e molduras de quadros.

 — Parecem os Deuses das pinturas da Torre dos Ventos — apontou Michiyo ao ver a enorme estátua de um dragão com as pernas quebradas provavelmente no momento que o farol foi destruído. Havia uma joia brilhante no peitoral dele.

 — Isso mesmo, o antigo Farol tinha muitas homenagens aos Deuses Pokemon... E aos Elementais. — Jessie os guiou até uma estátua deteriorada pelo tempo, mas com um grande mural de pedra com símbolos iluminados por trás dela.

 — Escrita antiga, vocês sabem ler? — perguntou Hector, e Jessie apontou para uma redoma transparente com um livro dentro, num pedestal diante da estátua.

 — Não está tão legível por conta dos anos, mas algumas partes foram traduzidas. Ouçam só o que temos... "O pesadelo de guerra Shadow, ich danke dir von ganzem Herzen."

 — Perdão? — Michiyo representou todos, não entendendo o que significava.

 — É um agradecimento vindo do coração — explicou Jessie. — A frase não faz muito sentido, mas parece ter relação com esse Pokemon da estátua.

 — Mal dá para ver — resmungou Hector.

    A estátua era de um ser pequeno e cabeçudo com os olhos arregalados e as mãos erguidas acima do que parecia ser um capuz. Era o que a frase chamava de Shadow.

 — Quaaa! — Quagsire tentou tocar na estátua, mas Khoury o puxou para perto. Sem entender, ele virou-se para abraçá-lo.

 — Whea! — Weavile apontou para Hector, que observava com atenção uma espada super desgastada presa numa pedra.

 — Não temos nenhum relato sobre a espada, mas como podem ver, é bem antiga. Talvez tenha sido do último Rei de Blizzfalt... — disse Jessie. Mantine mudou o rumo de seu nado para levar Hector até outro artefato.

    Enquanto Khoury e Michiyo optaram por um passeio, Lyon havia pego carona pelo céu com seu Cryogonal até uma câmara frigorífera abandonada numa rota de Blizzfalt. Lá dentro ele se reuniu com Lance, que o esperava impaciente.

 — Ótimo, ótimo, você chegou — disse Lance, levantando-se. Estava sentado na barriga de seu Dragonite, que relaxava no momento. — Depois do seu último relatório sobre Wind City, decidi que era hora de uma promoção, Lyon.

 — Sério? Foi mesmo para isso que me chamou?! — Surpreso, Lyon não escondeu a emoção.

 — Sim e não. Seu relatório foi interessante, mas... Outra derrota? São mesmo tão fortes ou você é que não dá conta? — perguntou de canto para Lyon, que pensou em responder, mas não seria adequado. — Afinal, um G-Fuel Especialista é chamado para missões de força... Mas um Super, como eu, lida com as mais complicadas. Quero saber se está pronto ou serei preciso trocá-lo.

 — Quer assumir a missão? — perguntou, e Lance não respondeu. Ele segurou no bastão de metal preso em sua cintura quando ouviu passos.

    Vindo de uma nuvem de vapor de gelo, um homem caminhava esquisito, com a postura inclinada e com os dedos bem afastados, como um dragão prestes a atacar. Tinha a pele escura e vestia um casaco azulado com mangas alaranjadas. 

 — Lyon, este é Raihan. Ele está no mesmo nível que você e vem se destacando nas missões que ganha. Hoje vim testá-los para decidir quem fica com a missão — explicou Lance. Lyon estava levemente boquiaberto e sentiu-se provocado pelo sorriso afiado do outro G-Fuel.

    Ajeitando a touca também laranja com as mãos, Raihan revelou parte de seu cabelo, mas logo a escondeu. Lyon fechou os punhos e o encarou de volta.

 — Esse é o Geladinho? — perguntou, agora descendo o olhar pelo corpo de Lyon. — Esperava mais.

 — Ora... Você não viu nada, eu garanto!

 — Então por que não me mostra? — Encostou seu nariz no de Lyon, o confrontando, mas recebeu um empurrão.

 — Ha! — Lance encostou as mãos nos ombros dos dois. — Esse é o espírito de competitividade! Esse frigorífero foi preparado para uma simulação de missão e eu avaliarei como os dois se saem.

 — Ótimo, Lance. Não vejo necessidade alguma de competir com um adversário desse nível, mas a promoção é do meu interesse.

 — Faça o que for necessário, se for mesmo interessante. — Seu tom arrepiou Lyon. — Pois bem, escolham um Pokemon cada.

    Beartic e Duraludon, um dragão com o corpo revestido por metal pesado, foram as escolhas dos dois G-Fuel. Os dois Pokemon estariam em perigo na simulação feita por projetores acoplados nos cantos do frigorífero.
    Lyon e Raihan, um ao lado do outro, pressionavam-se com os ombros, rangendo os dentes. A contagem para o início da prova começa e os dois decidem olhar para frente.

 — Sabe que não têm chances — disse Raihan para provocar. — Se ele te colocou aqui é porque duvida da sua habilidade.

 — Ele não é o dono da razão.

    Antes que a discursão continuasse, a simulação começou. O chão do frigorífero ganhou o aspecto de asfalto seco e os diversos caixotes agora eram prédios, muros e árvores. O frio se mantinha.
    No final da cidade projetada estava uma caixa de papelão que era o objetivo da missão. Uma luz dourada quase cegou os dois G-Fuel e materializou-se num Zoroark dourado gigantesco que agarrou Beartic e Duraludon com as mãos, ficando na frente da caixa.

 — Beaaar!! — gritou o urso em desespero, mesmo sabendo que não era real.

    O sorriso de Raihan aumentou e ele correu na direção do Zoroark sem temer o perigo. Lyon respirou fundo e estufou o peito, retirando o bastão da cintura e o pressionando para que aumentasse de tamanho. 

    Saltando para a frente de Raihan, um homem de cabelos rentes brancos e um kimono que cobria apenas metade do peitoral definido o fez recuar. 

 — É só uma simulação — pensou Raihan, correndo na direção do homem, que tinha os olhos brilhando na abertura de sua máscara azul.

    Recebendo uma rasteira, Raihan foi pego de surpresa, precisando equilibrar-se para não cair. Em seguida, o homem tentou golpeá-lo no rosto com o canto das mãos, mas ele conseguiu esquivar.

 — Hyah! — Lyon usava seu bastão para revidar bolas de fogo douradas que eram disparadas pelo Zoroark gigante, até que uma bateu numa árvore que incendiou-se instantaneamente. 

    A imagem de crianças abraçadas foi projetada no tronco da árvore. Lyon mudou sua rota para ir salvá-las, girando seu bastão para afastar o fogo. Enquanto isso, Raihan continuava combatendo o homem, mas já se irritava. Ele pegou uma pistola do bolso de seu casaco e a apontou para o oponente, que recuou.

 —Gwehehe! — Rindo, Raihan mudou a mira, apontando para o alto e disparando uma corda que se gruda num muro, se erguendo a partir dela.

    O homem prontamente agarrou-se na corda e foi tentar alcançar Raihan, que a cortou para ele não conseguir. Porém, o oponente também sabia saltar e agarrou-se ao seu pé, o puxando para baixo.

    Lyon tinha o Zoroark em sua frente mas não conseguia olhá-lo pelo forte brilho. Além disso, lembrava-se das criaturas que já havia enfrentando e consequentemente perdido. Não queria que fosse mais um caso desses.

 — Moooo! — Uma Miltank caiu no asfalto e Zoroark preparou-se para pisoteá-la. 

    Lyon notou uma abertura para pegar a caixa de papelão, mas balançou a cabeça e deslizou para debaixo do pé do monstro, o empurrando para ganhar tempo e a Miltank escapar.

 — Lyon, você perdeu uma chance! — A voz de Lance soou. Lyon fincou o bastão no chão e saltou por cima dele, agarrando-se no Zoroark.

    O Pokemon juntou Beartic com Duraludon e ameaçou cravar as garras nas costas do guardião do ginásio de Arctic, que fincou uma shuriken nele e conseguiu escapar, deslizando por baixo de seu pé. Mas, para a surpresa de Lyon, Raihan foi arremessado perto da caixa e o homem que enfrentava saltou para perto, o desafiando com as mãos.

    Lyon olhou para Beartic na mão de Zoroark e voltou a fitar o homem, tentando pensar no que fazer, mas ele já vinha para cima. Desviando de golpes com as pernas e as mãos, Lyon fazia uso do bastão para proteção, até se abaixar e deixar que o oponente socasse a perna de Zoroark.

 — Beeerrr! — Beartic via seu hálito virar fumacinha pelo frio e achava divertido, mas quando Zoroark o soltou, ele entrou em desespero.

    Achando que teria uma queda brusca, Beartic cobriu os olhos com as patas, mas sentiu seu traseiro em algo macio. Lyon, agora sem blusa, amarrou a capa no bastão para que segurasse seu parceiro.

 — Você... Que perde! — Ofegante, Raihan enxugou a boca e segurou na caixa. Duraludon tentava levantar, tendo caído de barriga pro alto. Lyon foi ajudá-lo quando viu seu oponente o ultrapassando com a caixa.

 — Droga! — Lyon sabia que precisava levar a caixa em segurança até o ponto inicial da simulação, e Raihan fazia justamente isso.

 — Sem ajuda do Pokemon! — Lance exclamou novamente e Lyon assentiu para Beartic, que sentou-se e coçou a orelha com a pata traseira.

    Lyon pegou seu bastão e impulsionou-se pelo caminho, já não sendo seguido pelo homem ou o Zoroark. Raihan usava a pistola de corda para ganhar vantagem também, mas...
    Na frente de Raihan, Khoury e Michiyo foram projetados, amarrados num poste. Uma tábua de madeira rodeada por chamas iria despencar a qualquer momento em cima deles.

 — Não! — gritou Lyon, arregalando os olhos. — É só... Uma projeção...

 — Qual é o problema, Geladinho? — perguntou Raihan, colocando uma mão na cintura. — Quer a caixa? Eu te dou! Venha pegar!

    Irritado, Lyon correu até Raihan e o surpreendeu ao acertá-lo com um soco, pegando a caixa das mãos dele e o derrubando. Era só correr mais um pouco e terminaria a simulação, porém...

"Espera, o conceito de amizade... Não tem a ver com isso? Estarmos do lado um do outro quando precisamos?"
"Quer dizer que somos amigos?"

    A fala de Khoury veio em sua cabeça e ele sentiu os olhos molharem. Não podia deixá-los ali, sendo simulação ou não.

 — Lyon, decida! — Novamente a voz de Lance.

    A simulação começou a mudar e Lyon se viu mais afastado de seus amigos. Agora, Khoury tinha um braço estendido para ele enquanto a cidade inteira pegava fogo ao redor. Correndo ofegante, Lyon continuava segurando a caixa, sabendo que não teria ajuda de Beartic ou qualquer outro Pokemon. Ouvindo um grito de Michiyo, parou. Precisava decidir.
 

 — Você tem que ser responsável e sério, siga com sua missão! Lyon! — gritou Lance e ouviu-se batidas numa mesa.

    Olhando nos olhos de Khoury, Lyon cerrou seu outro punho e voltou ao seu caminho. Uma tábua de madeira em chamas despencou acima dos dois.

 — Lyon... — disse Lance, encerrando a simulação.

    Abraçado com o nada, Lyon tinha os olhos fechados, mas lágrimas escorriam pelo rosto. Lance aproximou-se e ouviu soluçar coisas como "amigos". Raihan já havia pego a caixa e comemorava vitória, beijando os próprios muques dos braços.

 — Você só precisava levar a caixa até o fim — disse Lance, e Lyon levantou-se, olhando para os lados a procura de seus amigos. — Lyon... O que está acontecendo com você?

 — Ele escolheu ajudar todos pelo caminho, não o impedi para ver o quanto demorava — disse o homem de máscara, aproximando-se. Raihan arrepiou-se, afinal não era simulação.

 — Dragooo... — Dragonite também retirou uma fantasia de Zoroark, pousando perto de Lance.

 — Eu só posso aprovar o Raihan nessa missão. Você falhou, fez a decisão errada. Se fosse numa situação real, você...

 — Lance, você não tem ideia do que seria realidade! — elevou a voz, surpreendendo Lance. — Esses... Monstros dourados! Eles não sentem dor, eles não param de lutar e usam movimentos que desconheço! Você realmente nunca enfrentou um para entender o que falo!

 — Hey, Geladinho, não fique nervosinho! Deixa que o Raihan resolve, depois te compro uma blusa nova, falou? Gwehehehe!

 — Olha, Lyon... — Lance cerrou as sobrancelhas. — Está completamente perturbado. Algo te mudou, costumava ser o melhor, o mais dedicado... Parece que se perdeu. Quando me senti perdido, eu procurei o Doutor Yung, um Terapeuta que atende no Q.G. Recomendo que se consulte com ele, isso... Faz bem.

 — Lance, eu não...

 — Quieto! Está mole, frágil... Brycen vai te passar o número do Yung — disse, e o mascarado entregou um cartão para Lyon, olhando fixamente para seus olhos. — Eu errei em não impedi-lo de seguir com aquele garoto. Está dispensado, Lyon.

    Abaixando a cabeça, Lyon pensa em responder de novo, mas... E se ele estivesse certo? Brycen continuou o encarando por alguns instantes, mas manteve o silêncio.

 — Sim, senhor. — Lyon decidiu concordar, indo embora dali. Beartic, entristecido, o seguiu andando de quatro patas.

    Mais tarde, Lyon voltou para Arctic e foi até sua casa, onde não precisou abrir a porta com a chave. Descobriu que Michiyo conseguiu de algum jeito abrir e agora ajudava Khoury, Mawile e Weavile a prepararem a mesa. Fizeram chocolate quente e compraram doces na feira para quando Lyon chegasse. Aceitando com um sorriso, ele serviu-se e dividiu com Cryogonal e Beartic.

    Enquanto Michiyo tomava banho, Lyon sentou-se ao lado de Khoury no sofá, cabisbaixo. O menino não percebeu e continuava zapeando os canais da TV. Mordendo o lábio inferior, Lyon pensou em falar mas hesitou. 

 — Whea... — Weavile encostou em seu ombro, sorrindo para ele. De alguma forma, Lyon ganhou forças e decidiu se abrir.

 — Khoury... Por que eu estou arriscando tudo que conquistei para dividir a minha missão com vocês? — perguntou, e o menino o olhou confuso. — Quero dizer, se somos amigos como você disse... Talvez essa seja a resposta?

 — Sermos amigos é a razão de você arriscar tudo? Não consigo compreender seu raciocínio...

    Cortando a conversa, os dois viram Michiyo correr atrás de Darmanitan pela casa, que tinha as bochechas coradas e segurava seu cajado com a boca.

 — Eu nunca me dei bem com amizades, sempre estraguei isso, então desisti. Meu único amigo era o Beartic desde então, mas sempre protegi os outros. Essa é a minha função... Cuidar de todo mundo. 

 — Então... — Michiyo falava enquanto tentava puxar o cajado da boca do Pokemon. — É bom... Ter alguém... cuidando de você! — E ela conseguiu, caindo no chão.

 — Ela está certa, você me disse para olhar o meu redor e estou tentando fazer isso, mesmo sendo difícil. Mas você não está olhando o seu! Também cuidamos de você e vale a pena lutar por isso. 

 — Posso falar com certeza, quando encontrar alguém que goste de você pelo que é de verdade, é um amigo a se manter por perto — concluiu Michiyo, sorrindo para os dois. Até que pensou melhor no que disse, vendo Darmanitan caminhando para a cozinha de cabeça baixa. — Oh...

    Pensando nas respostas dos dois, Lyon também viu Weavile, Beartic e Mawile conversando e brincando, os três se davam muito bem. Michiyo foi até Darmanitan e o abraçou, recebendo vários beijos em resposta. O celular de Khoury estava desligado.

 — Todos também mudaram — pensou, agora percebendo. — O real desafio da minha missão... É esse.

"Amizade"

Continua

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